O planejamento matrimonial é uma importante ferramenta à disposição daqueles que desejam se casar ou viver em união estável, pois possibilita o prévio ajuste das regras patrimoniais e extrapatrimoniais que regularão a relação, trazendo maior segurança ao casal e evitando futuros litígios.
Por força de aspectos culturais, é comum observarmos certo receio dos casais em abordarem o assunto, como se essa medida preventiva tivesse o condão de insinuar um temor com o fim da relação (que, afinal de contas, deveria durar para sempre!). Mas esse é um grande equívoco. O cuidado de construir um relacionamento em que os interesses estão claros, alinhados e previamente estabelecidos é o primeiro passo para evitar desavenças e asseverar o compromisso do casal em preservar a saúde da relação, pautada na transparência e na boa-fé.
Soma-se ao fator cultural o desconhecimento de muitas pessoas em relação às regras aplicáveis aos diferentes regimes de bens e aos seus impactos, quer em decorrência do rompimento do vínculo em vida ou em razão do falecimento de um dos integrantes do casal. Isso, não raro, faz com que os casais simplesmente se sujeitem à adoção do regime de bens legalmente estabelecido - atualmente, o da comunhão parcial de bens -, mesmo sem estarem certos de que seria o mais adequado à sua realidade e ao que gostariam de convencionar.
Desse modo, conhecer o regramento dos regimes de bens e as consequências de sua adoção é o primeiro passo para que se realize um adequado planejamento matrimonial, no que concerne ao aspecto patrimonial. Por essa razão, preparamos uma síntese que objetiva indicar as principais características de tais regimes, sem, contudo, deixarmos de ressalvar que a consulta a um(a) advogado(a) atuante no ramo do Direito das Famílias é essencial para a elaboração da estratégia jurídica mais adequada a cada situação fática:
Regime da Comunhão Parcial de Bens
É o regime legal, ou seja, se o casal não optar expressamente por outro regime de bens (por meio de Pacto Antenupcial, na hipótese de casamento; ou de Escritura Pública, em caso de união estável), o vínculo será regido pelo regime da comunhão parcial de bens.
Nesse regime, comunicam-se os bens adquiridos a título oneroso na constância do casamento ou da união estável, os quais constituem o “patrimônio comum” do casal. Desse modo, bens adquiridos antes do início do vínculo, ou recebidos a título de herança ou doação, assim como aqueles sub-rogados em seu lugar, não se comunicam, sendo considerados bens particulares. Vale observar, entretanto, que os frutos e rendimentos oriundos dos bens particulares, assim como as benfeitorias neles realizadas na constância da relação são comunicáveis. Mesma regra se aplica aos bens adquiridos por fato eventual (como prêmios de loteria, por exemplo), conforme estabelece o artigo 1.660 do Código Civil.
A tarefa de provar que determinado bem foi adquirido antes do estabelecimento do vínculo entre o casal pode ser, em alguns casos, intrincada. Ainda mais difícil pode se revelar a prova de sub-rogação dos bens particulares, o que se agrava com o passar dos anos. Para minimizar esse problema, o casal pode se valer de Escritura Pública na qual conste o inventário dos bens particulares de cada um, ou até mesmo formalizar Pacto Antenupcial (que, apesar de não ser obrigatório, é permitido no Regime da Comunhão Parcial de Bens) com esse objetivo.
Obrigações anteriores ao casamento e aquelas provenientes de atos ilícitos, salvo se revertidas em proveito do casal, excluem-se da comunhão.
Além disso, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro (outorga conjugal), prestar aval ou fiança, nem alienar ou onerar bens imóveis.
No campo do Direito Sucessório, havendo descendentes, o cônjuge sobrevivente será herdeiro apenas dos bens particulares deixados pelo falecido, em concorrência com referidos descendentes. Em relação aos bens comuns, o cônjuge sobrevivente não será herdeiro, mas terá direito à meação (que é a metade do patrimônio comum do casal a que cada cônjuge ou companheiro faz jus, de acordo com o regime de bens adotado). Caso o cônjuge falecido não tenha deixado descendentes, mas sim ascendentes, estes dividirão a herança com o cônjuge sobrevivente. Não havendo descendentes, nem ascendentes do falecido, o cônjuge sobrevivente será o único herdeiro.
Regime da Comunhão Universal de Bens
Antes de entrar em vigor a Lei 6515/77, a comunhão universal de bens era o regime legal, ou seja, no silêncio dos cônjuges, presumia-se ser esse o regime adotado. Apesar da alteração legislativa que estabeleceu como novo regime legal o da comunhão parcial de bens, ainda é possível a adoção do regime da comunhão universal de bens por meio de Pacto Antenupcial (no caso de casamento) ou de contrato de convivência (na hipótese de união estável).
Por esse regime, comunicam-se todos os bens dos cônjuges ou companheiros, que passam a ser meeiros do patrimônio comum, não importando se os bens foram adquiridos antes ou depois do início do vínculo, ou se adquiridos a título gratuito ou oneroso (salvo exceções previstas no artigo 1.668 do Código Civil).
Assim como no regime da comunhão parcial de bens, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, prestar aval ou fiança, nem alienar ou onerar bens imóveis.
Falecido um dos cônjuges, o sobrevivente fará jus à meação, correspondente a 50% dos bens do casal, não importando se foram adquiridos antes ou depois do início da união. Caso existam descendentes do falecido, estes serão seus herdeiros; o cônjuge ou companheiro sobrevivente nada receberá a título de herança (cabendo-lhe apenas a meação). Havendo apenas ascendentes do falecido, o sobrevivente terá direito à meação e também à herança, a qual será dividida entre ele e os ascendentes. Não havendo descendentes, nem ascendentes, o cônjuge ou companheiro sobrevivente receberá a integralidade da herança.
Regime da Participação Final nos Aquestos
Por esse regime, cada cônjuge possui patrimônio próprio, composto pelos bens que cada cônjuge possuía ao se casar e os por ele adquiridos, a qualquer título, na constância do casamento. À época da dissolução da sociedade conjugal, serão apurados os aquestos, cabendo a cada cônjuge o direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.
Responderá pelas dívidas apenas o cônjuge que as contrair, salvo prova de terem revertido em benefício do outro. Além disso, caso as dívidas de um cônjuge sejam pagas pelo outro com bens de seu patrimônio, o valor do pagamento deve ser atualizado e imputado, na data da dissolução do vínculo, à meação do outro cônjuge.
No caso de falecimento de um dos cônjuges, o sobrevivente fará jus à meação. A outra metade pertencente ao falecido e, eventualmente, seus bens particulares, será transmitida aos herdeiros de acordo com as regras previstas no Código Civil.
Por ser complexo e demandar rigorosa organização e contabilidade, a aplicação prática do regime da participação final nos aquestos é muito difícil, tornando raríssima sua adoção por aqueles que desejam se casar ou viver em união estável. Como qualquer outro regime que não seja o legal, só pode ser estabelecido por meio de Pacto Antenupcial, na hipótese de casamento, ou por Escritura Pública, na hipótese de união estável.
Regime da Separação de Bens (convencional)
É o regime que estabelece a incomunicabilidade patrimonial, ou seja, não há patrimônio comum, nem meação, pertencendo cada bem ao cônjuge ou companheiro que o adquirir (quer anterior ou posteriormente ao início do vínculo), a quem caberá sua livre administração, alienação e oneração, sem a necessidade de outorga conjugal. Deve ser estabelecido por meio de Pacto Antenupcial, na hipótese de casamento, ou por Escritura Pública, na hipótese de união estável, como qualquer regime que não seja o legal.
No campo sucessório, muitos acreditam que a adoção do regime da separação convencional de bens afastaria o cônjuge (ou companheiro) da condição de herdeiro, entretanto, essa não é a posição atual de nossos tribunais, que consideram que o sobrevivente ostenta a condição de herdeiro necessário, em concorrência com descendentes ou, em sua falta, com ascendentes. Não havendo descendentes, nem ascendentes, o cônjuge (ou companheiro) herda a integralidade do patrimônio do falecido.
Regime da Separação Obrigatória (ou Legal) de Bens
Sujeitam-se, obrigatoriamente, a esse regime as pessoas que se enquadrem em uma das hipóteses previstas no artigo 1.641 do Código Civil:
“Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;¹
II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.344, de 2010)
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial."²
Assim, os maiores de 70 anos de idade, as pessoas que não realizaram partilha de bens no casamento anterior e as que se enquadrem nas demais hipóteses legais não podem escolher o regime de bens do casamento, o que pode ocasionar algumas situações de injustiça e, no intuito de repará-las, a jurisprudência relativizou o disposto no artigo 1.641 do Código Civil por meio da Súmula 377 do STF, a qual estabelece:
“No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.³
Atualmente, o entendimento que prevalece é o de que, no regime da separação legal de bens, deve ser comprovado esforço comum para aquisição dos bens na constância do casamento, para que haja comunicação patrimonial.
Assim, no campo sucessório, o cônjuge sobrevivente pode ostentar a condição de meeiro (se comprovado esforço comum para aquisição do patrimônio), todavia, não fará jus à herança do falecido.
Regime de Bens Híbrido
Além dos regimes de bens previstos em lei, é possível, por meio de Pacto Antenupcial, na hipótese de casamento, ou por Escritura Pública, no caso de união estável, estabelecer um regime de bens híbrido, mesclando as regras dos variados regimes.
Também podem ser objeto desses instrumentos inúmeras regras extrapatrimoniais, desde que não sejam contrárias ao nosso ordenamento jurídico, como, por exemplo, a previsão de indenização em caso de infidelidade, disposições relativas ao planejamento familiar e administração do lar, o ajuste de residirem os cônjuges / companheiros em lares diferentes, dentre outras disposições.
Conclusão
O planejamento matrimonial reflete a intenção dos futuros cônjuges ou companheiros em alicerçarem sua relação em bases claras e verdadeiras, exercendo a autonomia de vontades.
Apesar de ser uma ferramenta comumente utilizada antes das núpcias, também pode ser aplicada a casamentos já existentes, uma vez que nossa legislação permite a realização de alteração de regime de bens e a elaboração de pacto pós-nupcial.
Consultar um(a) advogado(a) especialista em Direito das Famílias certamente será muito útil no processo de elaboração e formalização desse importante planejamento, assegurando não só o respeito à vontade das partes, mas também o cumprimento das formalidades exigidas em lei.
Nós, da Andraus Vechies Advogados, contamos com profissionais habilitados a auxiliá-lo no esclarecimento de quaisquer dúvidas relacionadas a planejamento matrimonial e demais temas do Direito das Famílias.
¹As causas suspensivas do casamento estão dispostas no artigo 1.523 do Código Civil:
Art. 1.523. Não devem casar:
I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;
II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;
III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;
IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.
Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.
² Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 23/04/22.
³ Disponível em: https://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=4022#:~:text=S%C3%BAmula%20377,adquiridos%20na%20const%C3%A2ncia%20do%20casamento. Acesso em 23/04/22.
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