É o direito conferido ao cônjuge¹ ou companheiro sobrevivente² ³ de permanecer no imóvel que residia com o falecido, independentemente do regime de bens do casamento ou da união estável.
√ É gratuito, ou seja, para exercê-lo, seu beneficiário não precisa pagar nenhuma remuneração aos herdeiros pelo uso do imóvel, como, por exemplo, aluguéis. Mas deve arcar com os custos do imóvel, como IPTU e condomínio, e restituí-lo aos demais herdeiros no estado em que o recebeu.
√ É vitalício. O entendimento majoritário atual é de que, mesmo que o beneficiário venha a se casar novamente ou a conviver em união estável, poderá continuar a ocupar o imóvel até o seu falecimento, mesmo que seja proprietário de imóveis particulares. Porém, é personalíssimo, ou seja, não se estende a eventual novo cônjuge, companheiro ou herdeiro após o falecimento do titular do direito.
√ O direito real de habitação é aplicável também aos bens móveis e eletrodomésticos que guarnecem o imóvel; mas isso pode não ser adotado, se, por exemplo, houver no imóvel objetos de decoração ou obras de arte de valor elevado, que deverão ser partilhados entre os demais herdeiros.
√ Em razão da natureza do direito real de habitação, qual seja, "ex vi legis" (por força da lei), decorrente do direito sucessório (artigo 1.831 do CC/2002), entende o Superior Tribunal de Justiça ser desnecessária a respectiva averbação na matrícula do imóvel junto ao Cartório de Registro de Imóveis⁴.
√ Ainda em razão da natureza acima mencionada, entende a Corte Superior que esse direito pode ser exercido desde a abertura da sucessão, ou seja, do falecimento do cônjuge ou companheiro que era proprietário do imóvel no qual o casal residia, contando o cônjuge ou companheiro sobrevivente com instrumentos processuais para garantir seu exercício, inclusive por meio de ação possessória⁵.
O titular do direito real de habitação não pode alugar, emprestar o bem ou utilizá-lo para fins comerciais, apenas para sua moradia e de sua família. Se houver desvirtuação do benefício, é possível requerer a declaração de extinção do direito em questão, com a retomada do imóvel pelos herdeiros.
A declaração de extinção desse direito também poderá ser requerida pelos herdeiros, caso seja constatada a não utilização do imóvel pelo beneficiário.
É importante ressaltar que, para o Superior Tribunal de Justiça, não há direito real de habitação se o falecido não era o único dono do imóvel; ou seja, se havia adquirido o imóvel em copropriedade com um terceiro, antes da abertura da sucessão⁶.
Ainda, boa parte da Doutrina entende que, se o casal residia em casas separadas ou se já estava separado de fato, não deve ser reconhecido o direito real de habitação ao cônjuge ou companheiro sobrevivente.
O beneficiário pode renunciar ao direito real de habitação, seja nos autos do inventário ou por escritura pública, sem que isso implique em prejuízo na sua participação na herança, conforme Enunciado 271 do Conselho da Justiça Federal⁷.
A maior parte da doutrina não reconhece que essa renúncia possa ser feita antes do falecimento do cônjuge, como, por exemplo, em pacto antenupcial ou contrato de união estável; mas muitos já têm colocado esse tipo de previsão nos referidos instrumentos, pois pode haver mudança na legislação ou no entendimento jurisprudencial. Além disso, não deixa de ser uma espécie de “pacto moral” entre o casal.
Como deu para perceber, trata-se de um tema bastante complexo e controverso, tendo em vista que, de um lado, o direito real de habitação destina-se à proteção do cônjuge ou companheiro sobrevivente, mas de outro, limita os direitos de propriedade dos demais herdeiros.
Em função disso, parte considerável da Doutrina defende que, a depender do caso concreto e em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, seja aplicada a Teoria da Derrotabilidade das Normas Jurídicas, que nada mais é do que a possibilidade, em caráter excepcional, de afastamento ou não aplicabilidade de determinada norma, ainda que tenha preenchido todos os requisitos formais e materiais.
Assim, em determinadas situações fáticas que envolvam o imóvel objeto do direito real de habitação, é possível que ocorra a relativização desse instituto, para que seja possível conciliar a proteção ao cônjuge ou companheiro sobrevivente e o direito dos herdeiros, ou mesmo a prevalência do direito desses últimos em relação ao bem em questão.
Por isso, sempre ressaltamos a importância de consultar advogados especializados em Direito das Famílias e das Sucessões para realização de planejamentos matrimonial e sucessório que possibilitem que, na medida do possível, prevaleça o desejo de todos os envolvidos.
Referências:
¹Código Civil - Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm. Acesso em 27/10/22.
²Lei 9.278/1996 - Art. 7º Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos.
Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9278.htm. Acesso em 27/10/22.
³Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1857283&num_registro=201801945889&data=20190830&peticao_numero=201900221635&formato=PDF. Acesso em 27/10/2022.
⁴Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/componente=ITA&sequencial=2018697&num_registro=201903262108&data=20210211&peticao_numero=-1&formato=PDF. Acesso em 27/10/22.
⁵Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1533728&num_registro=201200591587&data=20160928&peticao_numero=-1&formato=PDF. Acesso em 27/10/22.
⁶Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1975217&num_registro=201500546254&data=20200902&peticao_numero=-1&formato=PDF. Acesso em 27/10/22.
⁷Enunciado 271 do Conselho da Justiça Federal: O cônjuge pode renunciar ao direito real de habitação nos autos do inventário ou por escritura pública, sem prejuízo de sua participação na herança.
Disponível em:
https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/533#:~:text=O%20c%C3%B4njuge%20pode%20renunciar%20ao,de%20sua%20participa%C3%A7%C3%A3o%20na%20heran%C3%A7a. Acesso em 27/10/22.
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