Com a entrada em vigor do Código Civil, em 2003, o cônjuge foi alçado à condição de herdeiro necessário. Assim, quem é casado não pode dispor livremente de seus bens, devendo respeitar a legítima[1], que também é garantida a descendentes e ascendentes.[2]
As mesmas regras atinentes à sucessão do cônjuge devem ser aplicadas à do companheiro (união estável). Nesse sentido, a tese firmada pelo STF no julgamento do RE 878694 - MG (Tema 809): “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”.[3]
De acordo com a legislação vigente[4], o cônjuge ou companheiro, a depender do regime de bens, poderá herdar em concorrência com os descendentes do falecido. Se não houver descendentes, herdará em concorrência com os ascendentes do "de cujus", independentemente do regime de bens e do tipo de patrimônio deixado (se particular ou comum). Na ausência de descendentes e ascendentes do falecido, o cônjuge sobrevivente herdará sozinho a integralidade da herança, sendo irrelevante o regime de bens adotado no casamento ou na união estável.
Para entendermos como funciona a sucessão do cônjuge ou companheiro, o primeiro passo é distinguirmos meação de herança. Com o falecimento de um dos integrantes do casal, o sobrevivente pode ter direito, dependendo do regime de bens adotado, à metade do patrimônio comum, que é a meação. Observe que meação não é herança, mas direito próprio do sobrevivente.
O segundo passo é conhecermos as consequências sucessórias dos diferentes regimes de bens no que se refere à concorrência do cônjuge ou companheiro com os descendentes do falecido, de acordo com o que estipula a lei:
Regime da comunhão parcial de bens
O cônjuge ou companheiro terá direito à meação do patrimônio comum do casal (aquele adquirido onerosamente na constância do casamento ou da união estável).
Tendo o falecido deixado descendentes, o cônjuge ou companheiro sobrevivente não herdará os outros 50% do patrimônio comum que pertenciam ao falecido, cabendo tal parcela da herança exclusivamente aos descendentes.
O cônjuge ou companheiro sobrevivente herdará, em concorrência com os descendentes, apenas - e se houver - o patrimônio particular do falecido (ex: bens adquiridos antes do casamento, bem como os herdados e recebidos em doação pelo "de cujus").[5]
Regime da comunhão universal de bens
O cônjuge ou companheiro terá direito à meação (ou seja, 50%) de todo o patrimônio do casal, independentemente de ter sido adquirido antes ou na constância do casamento, quer a título oneroso, ou gratuito. As exceções à comunicabilidade dos bens estão previstas no art. 1.668 do Código Civil[6].
Caso o falecido tenha descendentes, o cônjuge nada receberá a título de herança.
Regime da separação absoluta de bens (ou separação convencional de bens)
Não há patrimônio comum do casal e, por essa razão, não há meação. O cônjuge ou companheiro herdará todo o patrimônio do falecido, em concorrência com os descendentes.
Regime da separação obrigatória de bens (ou regime da separação legal de bens)
O cônjuge sobrevivente será meeiro dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, em decorrência da aplicação da Súmula 377 - STF[7] (desde que a comunicabilidade patrimonial não tenha sido afastada por meio de pacto antenupcial, o que tem sido admitido pela jurisprudência atual).
Por expressa determinação legal (Art. 1.829, I, Código Civil), esse regime não confere direitos sucessórios ao cônjuge sobrevivente, caso o falecido tenha deixado descendentes.
Regime da participação final nos aquestos
Esse é um regime rarissimamente adotado, envolvendo uma complexa contabilidade para apuração do patrimônio comum e, por consequência, da meação. No campo sucessório, seu funcionamento assemelha-se ao regime da comunhão parcial de bens. Assim, o cônjuge sobrevivente concorrerá com descendentes apenas em relação aos bens particulares do falecido. A meação incidirá sobre os bens comuns, após apurados os aquestos.
Resumo:
Conclusão:
Como pudemos observar, quando o falecido deixar descendentes, o cônjuge ou companheiro só será concorrente na herança de bens comuns caso não faça jus à meação. Por isso, a máxima: “onde há meação, não há herança”. Desse modo, a escolha do regime de bens impacta diretamente a concorrência na herança entre o integrante sobrevivente do casal e os descendentes do falecido.
Na ausência de descendentes, o cônjuge ou companheiro concorrerá com os ascendentes em relação a todos os bens deixados em herança, não sendo relevante o regime de bens adotado no casamento.
Não havendo descendentes ou ascendentes, o cônjuge terá direito a toda a herança, independentemente do regime de bens adotado no casamento.
É importante esclarecer que essas são apenas “linhas gerais” relativas à sucessão do cônjuge ou companheiro, havendo outras regras que podem ser aplicáveis a determinados contextos fáticos. Por isso, é sempre importante consultar um(a) advogado(a) atuante no ramo do Direito das Famílias e das Sucessões para conhecer seus direitos e realizar um adequado planejamento matrimonial ou sucessório.
Veja também: "Quem serão meus herdeiros?" e outras questões do Direito das Sucessões.
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[1] A legítima corresponde a 50% do patrimônio do falecido (independentemente do número de herdeiros necessários). Os outros 50% são considerados como parte disponível da herança.
[2] Código Civil - Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm. Acesso em 30/10/2022.
[3] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/detalharProcesso.asp?numeroTema=809. Acesso em 26/10/22.
[4] Código Civil - Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm. Acesso em 26/10/22.
[5] Art. 1.658 e seguintes do Código Civil.
[6] Art. 1.668. São excluídos da comunhão:
I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;
II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;
III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum;
IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;
V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.
Art. 1.669. A incomunicabilidade dos bens enumerados no artigo antecedente não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm. Acesso em 31/10/2022.
[7] Súmula 377 - STF: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=30&sumula=4022. Acesso em 24/10/2022.
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